Sobre a Raça

Cão da Serra de Aires

Perdida na bruma de memórias antigas, partilhada nos encantos da proeza incontáveis vezes contada, a história do Cão da Serra de Aires é, tal como a sua região de origem, uma afirmação de caráter e de exclusividade. Remonta a tempos tão imemoriais, que, a memória, também ela, se faz memória..

Fenícios, cartagineses, gregos, romanos, suevos, godos, árabes, muitos foram os povos que, em busca das suas riquezas, demandaram à Península Ibérica. Aqui permanecendo, com eles trouxeram, de longínquas paragens, animais, bens e haveres, práticas e culturas, técnicas e saberes. De tudo partilharam, com todos evoluíram.

E, assim, certamente aconteceu com o Cão da Serra de Aires. Na homogeneidade genética que partilha com os seus congéneres da bacia mediterrânica, distingue-se pela sua inteligência ímpar, sem paralelo no contexto ibérico.

De extrema dedicação ao dono, sem de ordem carecer, com ele coordena a sua acção, pois da aprendizagem adquirida retira a autonomia que dele faz um dos cães mais dotados para a função de condução de rebanhos.

D'Altoabaixo


Sob a inclemência de um sol impiedoso, em cativante trote suspenso, percorre longas distâncias, calcorreando solo ferido, rasgado por pontiagudas pedras que o trespassam, e que, por escasso de espessura, só apoucadamente compensa quem, com carecida necessidade, com afago o amanha.


Lenhosa e esparsa vegetação, ressequida pela míngua de água, estende os seus braços despidos que, no contacto do volteio rápido, em vã tentativa tenta a pele ferir, mas, espesso e longo manto, de pêlos cápreos e secos, impede de tal intento. Por desnecessário, isenta-se de sub-pêlo, em adaptação própria a um Alentejo que, subjugado ao clima Mediterrânico, imperioso, arvora, com razão certa, ter sido sua criação.


Isolado pela imensidão de uma planície causticada, ponteada, de onde em onde, por ondulante rebanho, a impulsos movimentado, ora por tomada de erva mais tufosa, ora por ordem imposta pelo voluntarioso cão, que, em atenta e torneada vigilância, impede qualquer devaneio de tresmalhe inconsciente, assim mantendo a massa junta na uníssona deslocação.


No remanso da sombra do descanso, lado a lado, cão e pastor, partilham a parca refeição, transportada no tarro que a preservou em condição de ser lentamente tomada, como se dessa forma, espaçando o tempo, se tornasse farta a pouquidão do alimento.


Com robustez adquirida na adversidade, de selecção aprimorada pela argúcia do olhar experiente que procura a perfeição na exclusividade da função, no isolamento que a vastidão da uma planície imensa impunha, gerações sucessivas de humildes existências resistiram e afirmaram a autoctonidade de uma raça excepcional, que, engalanada nos esparsos momentos de esplendor já conseguidos, procura a consolidação de uma afirmação alcançável, mas ainda fugidia.

É nosso!


Texto de: João Ribeiro.